quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

De Damião de Góis à Holanda de Ramalho Ortigão

Damião de Góis foi um grande viajante. A sua volta pela Europa, cheia de aventuras, permitiu-lhe conhecer grandes vultos da História: Tomás Morus, Lutero ou o humanista Erasmo de Roterdão, de quem se tornaria amigo. Há quem diga que As Tentações de Santo Antão, de Hyeronimus Bosch, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, terá feito parte da sua colecção de arte.
De burro até Gdansk é um feito, tanto no século XVI como nos dias de hoje!
A sua ligação à Flandres fez-nos ir repescar uma obra infelizmente difícil de encontrar, exceptuando em alfarrabistas: "A Holanda", de Ramalho Ortigão.
Ficam uns excertos.
"Até ao século XVI a Holanda era para nós o pântano tenebroso, a região anfíbia, ora água, ora terra-firme; um pouco de lodo envolto em névoa, periodicamente revolvido pelas tempestades do mar do Norte, habitad por uma raça misteriosa, maldita dos deuses, para a qual os soldados de César olharam atónitos, levando para Roma a notícia desse povo sinistro e lamentável condenado a lutar incessantemente contra a cólera do céu e contra a inclemência do oceano sobre alguns mouchões de terra movediça e flutuante."
"Utreque foi ainda sede de vários concílios, o primeiro dos quais data, creio eu, do ano 819, e um dos mais célebres foi o de 1080, em que o imperador Henrique IV teria excomungado o papa, se na véspera do dia em que devia ser proclamada a sentença os bispos não tivessem fugido, aterrados."
"No meio desta verdadeira orgia de alarves, destaca-se de repente aos meus olhos indignados um rapaz, de cerca de dezasseis anos de idade, gravemente vestido de colegial, com o seu grande colarinho redondo, de menino bem-educado, voltado para cima da gola de pano fino, tendo abraçada uma forte e loira rapariga, que lhe enche de murros o nariz enquanto ele lhe circunda o pescoço de uma enfiada de beijos."
E este, tão actual que chega a doer:
"Faziam-se transacções a prazo. Títulos de venda de tulipas inteiramente imaginárias, compradas por somas tão imaginárias, como as tulipas, negociavam-se como letras de câmbio, a cujo vencimento desapareciam conjuntamente o sacador e o aceitante."

Sem comentários:

Enviar um comentário