terça-feira, 31 de agosto de 2010

"Esta cidade interessa-me"


Dia 37
31 de Agosto de 2010
As palavras do título são de Stendhal e referem-se a Narbonne que se revelou uma excelente opção para passar a noite, justificando um passeio matinal, com visita obrigatória ao mercado coberto (considerado um dos melhores de França e com a particularidade de nele se poder almoçar) e ao centro histórico. Para mais, tem rápido acesso da auto-estrada e, não sendo demasiado grande, facilita a descoberta de um local central para ficar.

Um canal navegável - e braço do Canal du Midi - confere à cidade um agradável e fresco ambiente. No centro histórico, uma imensa e inacabada catedral, cuja construção teve início em 1272, deixa o visitante algo boquiaberto, lembrando vagamente as ruínas do Convento do Carmo, em Lisboa, mas em gigantesco. No interior, uma bela tapeçaria com uma Anunciação. Como curiosidade, refira-se que o 2º acto da ópera de Verdi, Don Carlos, tem lugar no claustro desta catedral que, com o antigo Palácio dos Arcebispos (hoje ocupado pela Câmara Municipal e por museus), constitui um monumental conjunto.

Como o caminho para casa ainda é longo, escolheu-se para pausa nocturna a localidade espanhola de Sigüenza, em plena Rota do D. Quixote e da qual se lavrará crónica no dia de amanhã.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

À grande e à francesa... até no cheiro!


Dia 36
30 de Agosto de 2010

Com tantas e tão veementes sugestões, não poderíamos deixar de fazer o desvio para ir fazer o viaduto de Millau, cujo arquitecto foi o inglês Norman Foster. Dir-se-ia que qualquer desculpa é boa para continuar em viagem. A do viaduto é uma grande desculpa: uma extraordinária obra de engenharia, com 343m na parte mais alta e com uma vista deslumbrante sobre o vale do Tarn, onde se encontra a simpática cidade de Millau.

Mas convém não fazer só o viaduto pois, visto de baixo, a percepção da sua impressionante altura é ainda maior. Acresce que, a cerca de 20 km de Millau, se encontra uma pequena aldeia que dá pelo nome de Roquefort, onde se produz o famoso queijo homónimo. Recomenda-se uma visita guiada às caves, devidamente seguida de degustação deste pequeno milagre da podridão da lactose ovina.

Curiosamente, a particularidade que faz desta terra o berço do Roquefort é ter um subsolo tipo queijo suíço: falhas naturais na rocha permitem a circulação do ar, mantendo a temperatura entre os 6º C e os 12º C e a humidade entre 90% e 95%. Os queijos são envolvidos em folhas de alumínio, entre 5 e 11 meses, para estabilizar a proliferação de penicilium roqueforti. Cheiram mal mas são deliciosos.

Por hoje, a descida para sul vai terminar em Narbonne, uma cidade com muito para revelar, apesar de chegarmos com um dia de atraso ao Festival Charles Trenet (que aqui nasceu em 1913), autor de Douce France que se tornou um hino da resistência aos nazis.

domingo, 29 de agosto de 2010

Aixo que gosto desta xidade


Dia 35 (III)
29 de Agosto de 2010

Para além de todo o peso artístico-cultural, Aix-en-Provence é uma cidade universitária e isso dá-lhe, indubitavelmente, um carácter muito dinâmico. Assim, nas múltiplas ruas pedonais, cruzam-se turistas (franceses e estrangeiros) com locais e com estudantes a prepararem a mudança para uma nova casa; nas pracinhas montam-se pianos e ouvem-se insólitos trios com 2 violoncelos e 1 acordeão (um evento denominado "Musique dans la rue", a decorrer de 23 de Agosto a 4 de Setembro); senhoras francesas passeiam os seus cãezinhos à sombra de belas casas provençais, com as suas venezianas de suaves cores marinhas; senhores franceses passeiam os seus cãezinhos, levando debaixo do braço pelo menos 2 baguetes.

Uma cidade que conquista logo à primeira vista, com a excelência do seu espaço público, aliada à qualidade de vida do sul de França.

O pai deles todos


Dia 35 (II)
29 de Agosto de 2010
É certo que gastronomia é cultura, sobretudo em França, mas tínhamos prometido disfarçar esta paragem. Assim, depois do mercado, lá fomos dedicar um tempo a Cézanne que aqui viveu os últimos anos da sua vida e que foi considerado por Matisse e por Picasso como "o pai de todos nós". São várias as hipóteses de seguir os passos do artista, quer na cidade quer nos arredores, havendo inclusive percursos pelo campo para observar as paisagens provençais que pintou.

Particularmente interessante é o atelier que construiu em 1901, onde se pode sentir a atmosfera que rodeava o pintor: uma idílica casa rodeada de verde, com uma enorme janela virada a norte. Para além de museu, o atelier é ainda palco de soirées culturais e gastronómicas (!!!) onde é possível ouvir palestras sobre arte contemporênea enquanto se degusta um buffet preparado por chefs de renome.

Pão pão, queijo queijo







Dia 35 (I)
29 de Agosto de 2010

Em França, os mercados ao ar livre são uma vertigem para os sentidos. Em Aix-en-Provence, na Place Richelme, perto da câmara municipal, tem lugar, de manhã, um autêntico festim de odores, cores e sabores: fruta, vegetais, queijos (muitos), enchidos e carnes frias (também muitos), pão, ovos de codorniz, peixes e mariscos e outras tentadoras e inventivas formas de degustação.

Claro que se a ASAE passasse por aqui, teria a reacção do inspector alimentar no filme Ratatouille quando entra na cozinha do restaurante: desmaiava redondo no chão. Não pela qualidade dos produtos, mas pelo facto de estarem ao ar livre, sem embalagens esterelizadas nem referências ao ADN da ovelha ou à genealogia da couve lombarda.

À tarde, a praça transforma-se num ápice e o mercado dá lugar a várias esplanadas num local que nem sequer é grande.

sábado, 28 de agosto de 2010

A inevitável reincidência no pecado da gula

Dia 34
28 de Agosto de 2010

De regresso a casa, havia que fechar o círculo num local que permitisse uma comemoração gastronómica à altura: Aix-en-Provence, naturalmente! Claro que poderíamos ter disfarçado esta nova queda em tentação gourmande de passeio cultural ao atelier de Cézanne, que ainda não visitámos mas que contamos fazê-lo amanhã.

Antes de chegar a Aix, vale a pena parar em duas localidades provençais: Sisteron, pelo seu ar de "vila florida e encantadora" e Manosque, cujo centro histórico se assemelha a uma Aix-en-Provence em miniatura e onde se podem comer umas autênticas e saborosas especialidades libanesas numa pequena praça junto à igreja de Saint Saveur.

Aix-en-Provence vai ser local de descanso e de novas descobertas durante dois dias (e de passeios culturais, pois!). Quando sairmos, temos de ter cuidado para não recomeçar o périplo de novo, já que são muitas as saudades dos preços sérvios, búlgaros e romenos...

Na rota de Napoleão

Dia 33
27 de Agosto de 2010

Há diversas hipóteses de passar de Itália para França. Optámos pelo desconhecido: o túnel de Frejus (com os seus 12,5 km de comprimento e €35,10 de portagem) e, depois, a Route Napoléon (N85), atravessando os Alpes. Da espeleologia ao alpinismo, portanto!


A estrada Napoleão é muito concorrida (ao próprio, vimo-lo em várias facetas: acampamento, hotel, bistrot, pizzaria e até estátua reluzente a cavalo), talvez por ter uma paisagem tão bonita, atravessando vilas de montanha, seguindo ao longo de rios e lagos, num constante sobe e desce, proporcionando uma agradável viagem. A paragem em La Mure (nas pegadas de Luís XIII e de Richelieu em campanha para Itália) deveu-se à necessidade de descansar, antes de retomar o caminho em direcção à Provença.

Em terras gaulesas recuperámos a possibilidade de actualizar o blog pois, segundo uma autóctone, temos "oui-fi" no hotel. Um a zero, Sarkozy ganha a Berlusconi.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma cidade com consciência literária













Dia 32

26 de Agosto de 2010

Este périplo danubiano não ficaria completo sem uma passagem por Trieste, terra natal de Claudio Magris, o autor de Danúbio, livro de certa forma inspirador da nossa viagem.

Cidade aberta ao Adriático, Trieste tem uma longa história (mais uma vez Veneza, o Império Austro-Húngaro, a Alemanha, a Itália, Tito, etc...) que é muito visível na sua arquitectura. Mas há um pormenor que enforma a sua identidade e que é apresentado com grande orgulho: o seu papel na literatura. Aqui viveram James Joyce (por duas vezes) e Italo Svevo, entre outros, sendo ainda a cidade onde nasceu Susanna Tamaro.

Consta que Joyce terá dito que a sua alma estava em Trieste. Mesmo que não seja verdade, é interessante como algumas cidades constroem a sua imagem à custa de escritores ou artistas. De realçar ainda que Dublin, outra cidade literária por excelência, também se sente herdeira de Joyce e do seu Ulisses e, à semelhança de Trieste, criou percursos para melhor conhecer os locais frequentados pelo escritor.

Devido a uma lei para prevenir o terrorismo, é difícil ter wireless em Itália. Donde, enquanto não nos fartámos dos deliciosos gelados italianos, não pudemos actualizar o blog.

Para afogar a mágoa que sabíamos estar a provocar nos nossos fiéis seguidores, fomos experimentar um tocai italiano (na região de Udine produz-se este vinho desde 1771, bem diferente do tokaji húngaro, que é um vinho doce de sobremesa), bem fresquinho e frutado, que era maravilhoso.

Metidas num buraco


Dia 31 (II)
25 de Agosto de 2010
A outra gruta, de Skocjan, é Património da Unesco e está bastante mais "em bruto". Mas é igualmente lindíssima. Não é tão espectacular mas tem umas partes altíssimas. Entre a Gruta do Silêncio e a Gruta dos Murmúrios, percorre-se um passadiço bordejado de mais espeleotemas e com um rio que corre no fundo, a cerca de 100m abaixo de nós. Está ainda muito visível o antigo trilho que os visitantes de há mais de 50 anos percorriam e que faz gelar a espinha pelo traçado alpinístico.

Ambas as visitas demoram cerca de 90 minutos e convém levar agasalhos pois a temperatura chega aos 8ºC. Em Postojna, os mais desprevenidos podem alugar uma espécie de capote alentejano por €3.

Estas aventuras não puderam ser narradas anteriormente por razões técnicas a serem desvendadas em próximos posts.

Espeleotemas em gruta cárstica


Dia 31 (I)
25 de Agosto de 2010

Este título não está em esloveno. Resulta, sim, de um dia intenso em que acompanhámos uma expedição internacional de eminentes espeleólogos em duas grutas eslovenas (como pode ser comprovado pela foto da direita), ambas abertas ao público.

A primeira, chamada Gruta de Postojna, tem um percurso de 5,2 km, parcialmente feito em comboio, por entre magníficas estalactites e estalagmites com grande variedade de cores e formatos. Esculpida na rocha calcária, a gruta recebe cerca de 14 mil visitantes por dia.

O mais famoso dos habitantes da gruta é o "peixinho humano", um anfíbio cego que respira através de gelras externas e que tem a maravilhosa sorte de viver rodeado de tanta beleza natural durante cem anos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Nada como o ar puro da montanha para abrir o apetite


Dia 30 (II)
24 de Agosto de 2010
Não há nada como entremear a vida urbana com uma caminhada na montanha.

A cerca de 4 km de Bled é possível fazer um passeio de 1,6 km ao longo da Garganta Vintgar, um espectacular caminho em madeira, com pontes que cruzam o rio, sobre cascatas e rápidos. Esta injecção de oxigénio nos pulmões custa apenas €4. E agora, de volta a Bled, para mais um bolito do mestre pasteleiro, não vamos nós sentir falta das calorias que acabámos de perder...

Gulodices lacustres


Dia 30 (I)
24 de Agosto de 2010

A Eslovénia é mesmo uma caixinha de surpresas. Verdade seja dita que o segredo está bem guardado, em parte, devido à sinalização rodoviária numa intrincada rede de estradas amarelas que, na melhor das hipóteses, indicam o caminho para a terra seguinte (que nem sempre vem no mapa).

Não fora a nossa perseverança, teríamos chegado à Áustria sem dar com o lago Bled, um idílico espelho de água, no Parque Nacional de Triglav, à bordinha dos Alpes Julianos e com um castelo altaneiro no cimo de uma escarpa. Apenas a 50 km a noroeste de Liubliana, um paraíso onde se pode passar facilmente uma semana, entre caminhadas, remo, leituras, etc... E sem motos aquáticas nem outro distribuidor de monóxido de carbono.

Acresce a existência de um bolo, criado em 1953 por um mestre pasteleiro de um hotel à beira do lago e que é muito muito guloso...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Capital Mundial do Livro 2010


Dia 29 (III)
23 de Agosto de 2010

Não se julgue que Liubliana é só um rio, duas margens e esplanadas. Saindo um pouco do centro do centro (por exemplo, em direcção à Ópera), encontram-se mais edifícios bonitos, grandes parques com óptimos caminhos para passear (ou andar de bicicleta), mais esplanadas com boa música (estas com mais locais do que turistas) e muita vida, sem o stress das grandes cidades.

E entre múltiplos festivais que acontecem ao longo do ano, Liubliana ainda tem espaço para ser a Capital Mundial do Livro 2010, título a que Lisboa se está a candidatar para 2013: http://en.ljubljanasvetovnaprestolnicaknjige.si/home/

In slovensko vino veritas

Dia 29 (II)
23 de Agosto de 2010

Com este excelente ambiente, não podíamos deixar de aproveitar para fazer uma prova de vinhos eslovenos, devidamente acompanhados por um prato de presunto e de queijos (tudo produto nacional), numa calma esplanada, com boa música de fundo.

Ficámo-nos pelos Brancos, devido ao calor e por uma questão de respeito pelos bons costumes (deles, claro) e de preservação dos nomes de família (nossos, claro). Da prova, recomendamos vivamente o Renski rizling, curin, 2007, meio-seco. Para dar um ar respeitável, pusemo-nos a actualizar este blog.

Um dia perfeito


Dia 29 (I)
23 de Agosto de 2010
Liubliana é a pausa perfeita. Uma cidade com uma escala extraordinariamente humana, um contínuo de esplanadas ao longo das duas margens do Liublianica (um serpenteante e estreito rio que passa mesmo pelo centro histórico), unidas por meia dúzia de simpáticas pontes e bordejadas por edifícios barrocos, exemplarmente recuperados. O incrível e surpreendente charme da capital eslovena é acentuado por um ambiente de dolce fare niente, quer de turistas (muitos), quer de locais (também muitos), a desfrutarem de um clima abençoado e do bom gosto extremo de que souberam dotar a cidade.
A óbvia qualidade de vida repercute-se também na espontânea e sincera simpatia dos liublianos que, de sorriso aberto, esperam calmamente que o turista tire a milésima foto, para poder continuar o seu caminho, a pé ou de bicicleta (o meio de transporte ideal para visitar a cidade, havendo vários sítios onde se podem alugar).
Apesar de todo este encanto, há oferta para as diversas bolsas e um lugar numa esplanada pode ser ocupado um dia inteiro só com o consumo de um café.

domingo, 22 de agosto de 2010

Relaxando em Liubliana

Dia 28 (II)
22 de Agosto de 2010
Eis-nos chegadas a Liubliana. Temos dois dias para desfrutar das inúmeras esplanadas do centro desta encantadora capital de um país que já pertenceu ao Império Otomano, à República de Veneza e ao Império dos Habsburgos e foi o primeiro a desligar-se da Jugoslávia, em 1991.

Pequenino mas perfeitinho


Dia 28 (I)
22 de Agosto de 2010

A Eslovénia é assim como uma mistura de Áustria com Suíça, com um travo italiano, mas em pequenino. No caminho para Liubliana, via Ptuj e Celje, são muitas as aldeias e vilas encantadoras, num vasto fundo verde (belas florestas e campos cultivados), ao longo do rio Sava, cruzando ribeiros e riachos, alternando montanha com vales.

Voltámos a encontrar cafés lindíssimos, por vezes onde menos se espera (como em Ptuj, na foto), com muitas pessoas a conviver frente a um copo (de vinho, de cerveja ou de limonada) e sempre servidas por gente jovem, bem disposta e bem educada.

Em Celtje, onde se pode beber um bom café (ou dois), demos com um jovem esloveno que desatou a falar em português connosco ao saber de onde vimos. Disse que tinha vivido um ano em Lisboa, que adorava a cidade, que tinha sido o melhor ano da sua vida e que só não ficou mais tempo por não ter conseguido arranjar emprego. Tudo em bom português!

Casal feno...menal

Dia 27 (II)
21 de Agosto de 2010

O Sr. Ferenc Jozef e a sua mulher Elizaveta, prósperos proprietários rurais com vastos terrenos na Hungria e uns prédios urbanos na Áustria, foram até à fronteira com a Croácia para se despedirem de nós. Viszontlátásra (adeus) e até à próxima!

Hungria em estado zen


Dia 27 (I)
21 de
Agosto de 2010

Independentemente do facto de ser Capital Europeia da Cultura, Pécs merece uma visita. Claro que o evento permitiu a renovação do espaço público no centro histórico. Aqui, esta foi muito bem feita, com bom gosto e incorporando muito bem o contemporâneo com o histórico, criando agradáveis momentos de surpresa e deixando respirar os edifícios antigos. Fontes, onde antes havia parques de estacionamento, acentuam o carácter mediterrânico de uma cidade que se assume sem fronteiras e que representa uma Hungria (e uns húngaros) bem mais descontraída e simpática.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Feitas paxás a ver folclore húngaro





Dia 26 (II)

20 de Agosto de 2010

Pécs é uma cidade que parece lidar bem com as marcas do seu forte passado otomano. A mesquita do Paxá Gazi Kasim (séc. XVI) tornou-se numa igreja paroquial, mantendo o edifício original (a que se acrescentaram umas alas laterais) e colocando uma cruz sobre o crescente, em vez da habitual destruição para dar lugar a um outro edifício adequado ao novo culto dominante. Outra mesquita foi também convertida em igreja católica mas o seu minarete ficou intacto.

Para mais, tem uma agradável ambiência mediterrânica, com belas praças (a principal é quase um anfiteatro, de formato rectangular, dada a sua inclinação), rodeadas de edifícios do império e de arte nova em cores quentes.

Há uma lindíssima rua de museus e um mausoléu paleocristão do séc. IV que é Património da Humanidade. Devido ao feriado, as ruas estavam pejadas de húngaros de todas as idades. Palcos espalhados pelas praças davam animação q.b. (incluindo danças folclóricas) e barraquinhas dos produtores de vinhos garantiam que aquela não esmorecia.

Mas há uma diferença substancial relativamente aos "verdadeiros" mediterrânicos: o convívio faz-se em surdina e com a maior das calmas. Sente-se a ausência do ruído de fundo a que estamos habituadas nestas ocasiões.

A ver a banda passar


Dia 26 (I)
20 de Agosto de 2010
A paragem em Szeged para pernoitar acabou por valer a pena para além do muito necessário descanso. Por um lado, apanhámos com o 10 de Junho cá do sítio, pelo que a cidade estava animada logo de manhã com bandas filarmónicas e muita gente a passear; por outro, descobrimos uma belíssima sinagoga (construída entre 1900 e 1903) em estilo arte nova-mourisco. A expressão é estranha, é um facto, agravado ainda por outros pormenores arquitectónicos barrocos, bizantinos, góticos e românicos mas, o todo resulta particularmente harmonioso. É, sem dúvida, a mais bela sinagoga que vimos nesta viagem.

Claro que nada desta beleza se compara com a descrição da Hungria no verso da capa do guia que trouxemos. Se a tivéssemos lido antes de vir, teríamos passado por outros países só para evitar o espaço-charneira entre as diversas realidades étnicas, religiosas e linguísticas do palimpsesto danubiano, a Hungria é um país que pela exposição prolongada ao escarvar dos cavalos de sucessivas hordas invasoras, no seu vaivém simultaneamente destruidor e civilizador, ganhou uma forte consciência da sua identidade. Ou convidado este exímio escritor de incunábulos para colaborador deste blog.

Um olho no burro e o outro... na Roménia


Dia 25
19 de Agosto de 2010

Ainda abaladas pela concretização do nosso objectivo e pela percepção avassaladora de que temos de regressar, fomos visitar Sibiu.

A cidade tem uma clara influência alemã e uma harmonia arquitectónica que não se limita ao centro histórico. Este não é um mero museu, tem vida própria e os turistas (na sua grande maioria alemães) são apenas mais um elemento no conjunto urbano barroco.

Segundo a menina na recepção do hotel, a Roménia tem muita coisa para ver mas as pessoas têm uma ideia negativa sobre o país, pelo que não tem ainda muitos turistas. É bem verdade, o que é uma pena: a Roménia é um país muito interessante, tem paisagens e locais lindíssimos e as pessoas são muito simpáticas. Naturalmente, há muito por fazer: há zonas menos desenvolvidas, Bucareste precisa de arranjos e há estradas em mau estado. Mas merece uma visita atenta, prolongada e sem preconceitos.

Como chegámos atrasadas a Sibiu Capital Europeia da Cultura (foi em 2007), vamos para Pécs, na Hungria, que tem o título (junto com Istambul e Essen) em 2010.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Almoçar em Brasov, em Kronstadt e em Brassó


Dia 24
18 de
Agosto de 2010

Estamos a tentar manter a viagem de regresso tão interessante como a de ida. Apesar de haver imensos locais que merecem uma visita, não temos todo o tempo do mundo. Assim, mantendo o objectivo Portugal em mente, vamos desenhando o caminho de volta passo a passo. Perante duas alternativas para atravessar a Roménia de volta à Hungria, optámos pela que passa na Transilvânia do Sul, pelo que nos dirigimos a Brasov, via Buzau.

A estrada DN1, entre Ploiesti e Brasov, mais ou menos desde Sinaia, é muito bonita. Passa por vilas de montanha e, do lado esquerdo, os Cárpatos, em todo o seu esplendor, com escarpas altíssimas.

Brasov é uma cidade com um centro histórico barroco. Dir-se-ia que estávamos na Polónia ou na República Checa. Naturalmente, os preços são mais turísticos mas, ainda assim, perfeitamente aceitáveis. Depois de um simpático almoço numa esplanada na praça principal, fomos até um lindíssimo café de 1910 que, para além de diversos objectos decorativos muto imaginativos, tinha internet. Dado o encanto da região, a decisão de dormir em Sibiu foi rapidamente concretizada com uma reserva via booking.

Continuando a DN1 em direcção a Sibiu, o prazer da condução acentua-se: à esquerda, os Cárpatos, desta vez como um amontoado de montes verdejantes, uma imensa e densa floresta que, mais para o fim da tarde, adquire um belo tom azulado.

Pelo caminho, vamos cruzando igrejas variadas, demonstrando a importância e o peso da presença alemã durante nove séculos. Este foi o ponto mais oriental da Europa Central em que a influência católica, e mais tarde a da Reforma, se encontrou com a doutrina ortodoxa. Como curiosidade, saliente-se o facto de muitos dos nomes estarem em 3 línguas: romeno, alemão e húngaro.

No final da Idade Média, a Transilvânia do Sul respirava o ambiente cultural da Europa Central, acolhendo artistas de Viena, Praga e Nuremberga. E agora, noapte buna que amanhã temos de visitar Sibiu.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Em busca de Malacovia


Dia 23 (III)
17 de Agosto de 2010
Como não vimos Lipovenos de barba, fomos à procura de Malacovia, uma cidade-fortaleza de ferro, construída em 1870 no Delta do Danúbio e concebida por um excêntrico príncipe Nogai (uma etnia turcomana do sudoeste da Rússia), escondida nos pântanos. O objectivo era aí criar uma pátria e capturar os navios russos no Mar Negro.
Educado em São Petersburgo, o príncipe inspirou-se numa invenção que dava os primeiros passos: a bicicleta. Malacovia era uma espécie de ovo de ferro eriçado de canhões que podia descer, em caso de emergência, para uma plataforma situada sob os pântanos do Delta, graças a um gigantesco sistema de rodas dentadas ligadas a uma série de bicicletas nas quais pedalavam 50 tártaros Nogai.

Devido à extrema humidade do Delta, o mecanismo das rodas dentadas emperrou e, num dia do ano de 1873, o ovo não conseguiu descer para o seu ninho, apesar dos imensos esforços dos 50 ciclistas Nogai. Conscientes da proximidade do fim, o príncipe e os seus correlegionários fogem, com as bicicletas sobre a cabeça, por um túnel secreto, e dispersam-se pelo mundo. Nos anos 1900 era comum observar-se, em Paris ou em Londres, um tártaro (com a cabeça baixa sobre o guiador) percorrendo as avenidas a uma velocidade estonteante.

Esta bela história de Amedeo Tosetti, denominada Pedali sul Mar Nero, encontra-se compilada no Dictionnaire des Lieux Imaginaires, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupe. A ideia de Malacovia foi retomada recentemente por um estudante malaio, que cresceu na Alemanha e se mudou para Londres, numa tese de design: http://www.pascalbronner.com/

Nas imagens, a 1ª é de Bronner e a 2ª de Tosetti. E, como é óbvio, não apanhámos assim tanto sol na cabeça no Delta que fossemos à procura de Malacovia. É apenas uma boa história, sobretudo agora que temos de pensar em regressar e, acedendo aos insistentes pedidos dos nossos seguidores, continuar este blog.

Pescadores russos do Delta


Dia 23 (II)
17 de Agosto de 2010

Em Mila 23 (uma terra na milha 23, a contar de Sulina, no Mar Negro) vivem Lipovenos, descendentes de cossacos do Don, que aqui chegaram no séc. XVIII, fugindo do Czar e de ferozes perseguições. A razão fora um cisma na igreja russa e novos costumes (como cortar a barba ou vestir à ocidental), agravados por Pedro, o Grande, que os "antigos crentes" se recusaram a adoptar, chegando a perpetrar imolações colectivas.

Os homens usam grandes barbas e a igreja no centro da aldeia é tipicamente russa. O primeiro facto não o pudemos constatar, pois todos os homens que vimos em Mila 23 exibiam bochechas luzidias e sem pilosidades.

Nos braços do Delta


Dia 23 (I)
17 de Agosto de 2010

A madrugada (despertar às 06h30!!!!!) parecia ameaçar o passeio pois havia nevoeiro. Acabou por ser uma sorte, pois pudemos observar o dia a abrir já no Delta do Danúbio, a bordo de uma lancha (que sempre era) rápida, conduzida por um romeno que só falava romeno. Fomos por um emaranhado de braços mesmo até à beirinha de um lago em que não se pode entrar por ser um santuário para os pelicanos. Novo emaranhado de canais até outro lago, rodeadas de árvores meio submersas, num passeio fantástico (ser tão cedo aliviou o calor), em que vimos muitas aves, pescadores e campismo selvagem nas margens, e que durou cerca de 3h30, com uma paragem na mítica Mila 23. Uma manhã inesquecível.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

3 semanas e 6000 km depois...

Dia 22 (III)
16 de Agosto de 2010

Chegámos!


Cerca de 6000 km depois, estamos em Tulcea, a menos de 40 km do Mar Negro. À nossa frente, o Delta do Danúbio, reserva da biosfera, Património da Humanidade, habitat de íbis-preto, pelicanos-brancos e pelicanos frisados, entre as cerca de 3450 espécies animais. Já para não falar das 1700 espécies vegetais.

Amanhã, vamos dar uma volta pelo Delta, a bordo de uma lancha rápida (esperamos!). O calor é sufocante, pelo que marcámos o passeio para as 07h30. Agora vamos à procura da bicheza do Danúbio, mas no prato, em formato de sopa de peixe.

Ciganos que lêem o Corão


Dia 22 (II)
16 de Agosto de 2010

Quase a chegar a Tulcea, pela DN22, há uma terra que se chama Babadag. Aí, encontra-se a mais antiga mesquita do país (1522) e uma comunidade de ciganos... muçulmanos. É um lugar santo para os muçulmanos romenos pois nele está enterrado Saru Saltuk, um turco que aqui se instalou com os seus 12 mil homens, a pedido do imperador bizantino, em 1262.

Estes ciganos, denominados horahane (os que lêem o Corão), vivem num bairro à saída de Babadag e as mulheres vestem vestimentas coloridas (consta, porque as que vimos tinham roupas normais!).